Experiência Literária #6: Os ensaios de Patrício Casanova e Um Expresso e o Início de Tudo — Nathália Novikovas

A Experiência Literária de hoje será um tanto diferente, abordando não apenas uma, mas duas obras da queridíssima Nathália Novikovas!

Gabriel Yared
4 min readNov 24, 2020

Ensaios de Patrício Casanova: sobre amor & assombração

Capa do conto Ensaios de Patrício Casanova: sobre amor & assombração, de Nathália Novikovas (2019).

Ficha técnica
Autora: Nathália Novikovas
Ano de publicação: 2019
Edição: Independente, disponível no Kindle Unlimited (acesso: https://amzn.to/3nSXew2)
Número de páginas (KDP): 24
Minha avaliação: 5/5

Ensaios de Patrício Casanova é uma noveleta romântica que aborda, através da figura de um protagonista desencarnado, elementos de uma fantasia existencialista de forma leve e bem-humorada — e nem por isso menos impactante. É a segunda obra da paulista Nathália Novikovas (25 anos, Ibirá-SP) que escreve e publica desde 2014 no Wattpad e teve contos selecionados nas antologias Cintos Astrais (2018), Notificação Preferida (2020) e Corações coloridos que pulsam (2020). Engajada na representação literária das lutas da comunidade LGBTQIA+, suas obras têm foco, sobretudo, na promoção da visibilidade bissexual.

A noveleta envereda pela realidade de Patrício Casanova, um fantasma anticapitalista cuja principal forma de enfrentar o tédio do pós-morte é atormentar a vida das pessoas que tentam o cargo de recepcionista na Escola de Música Casanova, que outrora fora sua residência. Tendo sucesso em diversas vezes, Patrício pôs para correr inúmeros novos funcionários em um curto período de tempo, dando um grande trabalho para sua prima, Amanda, atual proprietária do sobrado.

Patrício é então confrontado pela presença de Kaio, o novo recepcionista que, além de funcionário exemplar, não se deixa espantar pelas tentativas do fantasma de fazê-lo arredar pé da escola de música para nunca mais voltar. Ao contrário disso, Kaio, ao descobrir que está sendo alvo dos malassombros do protagonista, se vê de pouco em pouco atraído pelo desencarnado, o que o põe em uma situação complicada, pois mesmo correspondendo ao sentimento, entre eles há uma barreira inegável: a morte.

De forma bastante segura, Nathália apresenta um mundo pós-vida bastante consistente e divertido, onde as burocracias em muito lembram as dificuldades de nossa realidade enquanto encarnados. Através dos ensaios de Patrício, cada um representado por um capítulo, somos deliciosamente levados pelos pensamentos do fantasma a refletir sobre a condição humana: nossas oscilações conflitantes enquanto seres sentimentais, cheios de desejo, e nossa responsabilidade afetiva, com o reconhecimento de nossas obrigações e do quanto nossas decisões podem impactar os outros, à medida que também somos impactados.

Tudo isso se desenvolve de maneira descontraída, com diálogos verossímeis e instigantes e que nos fazem sentir, por completos, atrelados ao romance complicado em que Kaio e Patrício vislumbram adentrar. O final, devo adiantar, é trágico — mas, de forma alguma, inesperado. Os ensaios de Patrício Casanova foram uma surpresa muito boa neste ano cheio de altos — e mais ainda — baixos, que me conquistou em sua escrita despretensiosa e carregada de emoções e representações dos dramas cotidianos fantasticamente aumentados. Uma apaixonante história sobre quão assombroso pode ser o amor.

Um Expresso e o Início de Tudo

Capa da novela Um Expresso e o Início de Tudo, de Nathália Novikovas (2020).

Ficha técnica
Autora: Nathália Novikovas
Ano de publicação: 2020
Edição: Independente, disponível no Kindle Unlimited (acesso: https://amzn.to/2Kwuvyt).
Número de páginas (KDP): 65
Minha avaliação: 5/5

Se em Ensaios de Patrício Casanova Nathália nos apresenta um interessante pós-vida e suas dificuldades, a novela Um Expresso e Começo de Tudo tem como as principais preocupações traçar uma divertida viagem por uma inusitada cena do cotidiano.

Desempregada há meses, Helena não acredita que será chamada após uma entrevista de emprego, embora sua amiga com quem divide o apartamento, Gabriela, tem certeza de que o emprego já é dela. E, aproveitando o momento de drama da amiga, Gabriela aposta que, caso ela consiga a vaga, Helena terá que provar sete tipos diferentes de café. Parece uma proposta inofensiva, a não ser por um probleminha: Helena odeia café!

Como era de se esperar, ela consegue o emprego, e em meio à imensa felicidade de finalmente poder pagar as contas, literalmente Helena agora tem de lidar com o amargo da derrota. É na cafeteria Dulce Café, onde a maior parte das cenas se desenvolve, que Helena conhece Mafe, a atendente, e PH, o barista que está disposto a ir às últimas consequências para que a difícil cliente finalmente admita que pelo menos uma de suas preparações a agrada.

Helena se vê participando de um jogo difícil. Nos primeiros dias, tem a sensação de que está passando por uma tortura, mas, aos poucos, conhece novas formas de consumir a tão repudiada bebida. Mas, aos poucos, começa a perceber que os momentos no Dulce Café, a despeito do amargor do grão, podem se revelar na verdade bastante doce — principalmente vindo das mãos de PH.

De forma descontraída, Nathália nos apresenta um romance que se desenvolve aos pouquinhos, de golinho em golinho, criando sempre uma deliciosa sensação de quero mais para descobrir o que vem no próximo capítulo. Num primeiro momento, a relutância, que aos poucos e de maneira muito plausível se torna apreciação, conforme as personagens se tornam mais próximas.

O que mais me agradou na obra, com certeza, foi a representatividade LGBTQIA+ que se apresenta de forma muito natural e informativa, sem cair no problema de ser didática demais, de um jeito que a autora sabe desenvolver com muita segurança por meio dos pensamentos de Helena, entre os quais perpassamos pelas inseguranças, dificuldades e felicidades que ser bissexual representa na sociedade, e que nos leva a refletir, através da jornada de autodescobrimento da protagonista, que a sexualidade é apenas um traço minúsculo de nossas vidas, que pode ser tão doce e saborosa quanto um café mocha se nos permitirmos arriscar a conhecer novas possibilidades.

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Gabriel Yared

Jovem escritor, leitor e resenhista, amante da ficção. Tento apresentar, através de minhas palavras, o que vejo em conjunto ao que simulo em devaneios e sonhos.